Fotografava bundas. A coleção de
imagens feitas em supermercados já passava de oitocentas, naquele domingo à
tarde. Trocava compulsivamente de fila, atrasava seu atendimento obcecado por novos
exemplares femininos e masculinos. Mais de vinte anos de busca particular.
Quando o tempo era analógico e transcorria
mais devagar, cada registro fotográfico era um investimento, um deleite, um
risco também. Tarado! Gritaram mais de uma vez. Logo o termo saiu de uso e
nunca mais se identificou com insultos modernos. Com o advento dos smartphones, acreditava que seu hobby havia sido estimulado. Porque todo
mundo agora tirava foto do objeto de desejo. Ele, no entanto, não os publicava
no Instagram.
A metodologia havia sido
desenvolvida na década de 1980, quando tinha vinte e poucos anos e se achava
esperto demais. Saia pra rua com sua Rolleiflex e encenava. Quem caísse na
trapaça, admirava seu interesse pelas espécimes vegetais, no Jardim Botânico ou
no Aterro do Flamengo. Chapéu de aba curta, camisa apertadinha, bermuda dobrada
na barra, chinelos de couro, barbicha e óculos ajudavam na composição que
simulava o artista europeu perdido na Cidade Maravilhosa. Obviamente um
cineasta italiano ou, às vezes, francês, nos dias em que apostava em gestos
mais delicados. Muito foi aprimorado ao longo de décadas e toda aquela
dramaturgia caiu por terra quando perdeu-se a cerimônia do ato sacralizado por
Man Ray, Lewis Carroll e, até em enterros, faziam os chamados selfies.
Mas tudo começou antes disso.
Observava bundas desde que nasceu. Babava no popozão da babá. Até os 18 anos nunca
reprimiu o olhar viciado, aquele que não se evita, aquele de praxe toda vez que
cruzava na rua com mulheres. Você deixou de ser menor de idade, Celsinho, tem
que assumir responsabilidades, orientou a mãe, rainha do eufemismo, como quem
diz: pega leve, rapaz. A consciência do ato intrínseco mudou a vida do garoto,
que haveria de confirmar o arquétipo dirty
old man.
Decisivo foi aquele episódio durante
as férias, ainda moleque não tinha mais o que fazer em casa e acompanhava o pai
até o banco. Mesmo naquela época, renegociação de dívida já levava tempo demais.
Então, tinha à mão um gibi pra enganar o tédio e, entre uma página e outra,
perdia o foco observando a fauna subserviente que circulava por ali, levando
presentes, eventualmente.
De repente, ela entrou. Otário, quem
não viu. A moça de uns 30 anos caminhava no fundo de um aquário com longos cabelos
esvoaçantes. Obviamente, carregava consigo brisa própria. O hálito parecia
espetacular também! Atravessou o setor de pessoa jurídica que tinha outro nome
e se posicionou, impaciente, em frente à mesa em que meu pai era atendido. Jesus,
Maria, José. Usava uma calça que, com pequena modificação, chamam hoje de legging, bastante aceita em todas as
academias e também no calçadão. Aliás, esta peça de vestuário mudou muito a
paisagem do Rio.
Quer sentar? Perguntou ele, que
tinha olho na nuca. Não. Disse suavemente, fuzilando a gerente, intensificando
a batida do salto da sandália no chão. Curioso é que ninguém insultava os
deuses naquela época. E sem mais, cansou-se de esperar.
O menino lamentou que menos de dois
minutos tivesse se passado, no entanto, alegrou-se de estar vivo para
acompanhar a indelével saída da cabrocha, discretamente registrada pela
gerente.