A venda de Sem
Palavras começou antes mesmo do livro sair da gráfica e as primeiras encomendas
deslocaram o foco da equipe de criação para o território comercial. Alguém tem
que cuidar disso, falei em voz alta pra espantar as almas e pra ter a confirmação
de que esta é uma missão da gente mesmo.
Aquele fio gelado que, de tempos em tempos, transita
por dentro da minha coluna disposto a tocar a medula óssea cumpriu seu objetivo
e saí embalada em busca de uma solução que viabilizasse a circulação da obra.
Sem Palavras
não é um livro convencional, a gente sabe. Quem acompanha de perto, e
profissionalmente, a produção livreira no Brasil já confirmou que ainda não há nenhum
projeto com tais características, ainda que a literatura epistolar (constituída
a partir de correspondências) exista desde então. No mapeamento editorial, também
não o vejo ocupando catálogo de selos que rotulam estilos, limitando interesse,
determinando público-alvo.
A contratação de uma empresa distribuidora tampouco
me pareceu viável, tendo em vista o alto investimento que seria feito por esta
autora iniciante, com tiragem pequena de sua primeira edição. Considerando
essas variáveis, resolvi então abrir a Nega Lilu Editora. Imediatamente me veio
à cabeça o texto do cartazete que carreguei, recentemente, exercitando cidadania.
Com as coisas assentadas aqui dentro, já posso dizer: privilégio
fantástico será este de me afastar da deliciosa zona de conforto da concepção
da campanha publicitária e colar forte na seara das editoras para compreender o
mercado editorial. Estamos expandindo nossas atividades e, para encarar o
desafio, a obra é o que temos nas mãos. Longa vida à Nega Lilu Editora!
De mãos dadas para sempre, os olhos fitavam-se, desfitavam-se, fitavam-se. Bentinho, escolado no latim e virgem de mulheres. Capitu, mistério. Sem corpos nus e ausente de palavras, o capítulo XIV de Dom Casmurro é um dos textos mais românticos e excitantes da literatura brasileira.
Na escrita que perfurava o reboco do muro, fundiu-se o nome dos melhores amigos: Bento Capitolina. Ela surpreendida enquanto revelava para si seus sentimentos e ele, futuro Padre de partida para o seminário. Aquele texto apagado subitamente para proteger o segredo permaneceria na memória, até o fim dos dias, sofrendo transformação de significado, de significância.
Por inspiração desse instante – marcado na linha do tempo para ocorrer somente uma vez – é que Nega & Lilu também foram rearranjadas numa só persona. Nega Lilu expressa, portanto, a sensação de coesão indelével que o Amor sugere. E agora é chegado o momento da inscrição, palavra que intitula o décimo quarto capítulo que me encanta, ampliando a homenagem a Machado de Assis, em Dom Casmurro.
Um corpo ocupado por quem já se foi. A presença espectral
que preenche a alma com vazio e breu. Respira, pausa, repousa, mas a paz não se
sustenta com o inferno do lado esquerdo do peito e a escravidão de pensamento. Como
o açoite seguido de júbilo seguido de açoite, porque só o Bem sabe fazer tão
mal.
— Dona Aldeni, eu voltei!
Gritei do portão.
Que coincidência, ainda hoje a menina havia perguntado por mim. E quando
me viu, a avó teve reforçada a crença na benção divina que a neta, um anjo
adivinhador, representa.
— Batista, é aquela moça!
— Pede pra ela entrar...
Na visita surpresa, me desculpei dizendo que havia retornado pra
mostrar o livreto que tem na capa a foto da flor do Dente de Leão que imitava a
primeira fantasia de Nega & Lilu que, um dia, no piso vermelho daquela sala
de TV que já foi um atelier, empreenderam fuga sem poderem ser alcançadas.
Mas a Nega sou eu, revelou Aldeni, sorrindo largo uma alegria
incontida. Porque no interior do Maranhão, na pequena Nova Olinda, deram a ela
esse apelido. E Batista confirmou, enquanto rolava o noticiário da Rede Record,
que foi desse jeito mesmo que a chamou pela primeira vez. Mas com o tempo,
virou Neguinha, afinal, chegou na cidade uma outra Nega, maior que ela.
Jeane Pamela achou o livreto muito bonito. Foleava as páginas com dedos
de seda, enquanto ouvia de mim a história do penteado que transformou o Hulk em
Fiona.
— É a Fiona mesmo, validou a menina vidente.
Fotos: Consuelo Gobbi e Larissa Mundim |
Aldeni insistiu com Batista para que me informasse o número do telefone
celular: porque quando ela vier nos visitar de novo, pode avisar antes.
E eu respirava com dificuldade, sentindo aquela infantil asfixia que se
chamava nó na garganta, segurando bravamente o choro diante do belo: a
simplicidade, a franqueza, o carinho da Nega de carne e osso, luz nos olhos e de
entendimento muito próprio sobre um pedaço de história contada por duas plumas.
Leia também:
Novas práticas de recriação
Aprendi com Mary Shelley
Você pode solicitar o catálogo, gratuitamente, enviando um e-mail para negalilu@gmail.com .
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Em 24 de outubro de 2010:
11h15, penso em você.
17h50, penso em você.
21h07, penso em você.
Minto.
Tenho um oco.
Tenho um eco.
Tum-tum-tum.
Sou sua.
Sou só.
Sua.
*Para
Lilu (nos dias em que a encontro em mim) faz
referência a Sem Palavras, romance
literário de ficção de Larissa Mundim, que tem como
fio condutor a concepção processual de um conto, que é escrito a quatro mãos
com fundamentação positivista – a experiência como método. Começa assim o
envolvimento de Laura Passing e Brisa Marin, numa relação fluida, que se
desloca e transborda, marcada pela urgência e pela fragilidade dos encontros no
nosso tempo.
Inspirado na cultura e na arquitetura do ciberespaço, a obra se constrói a partir da correspondência, por e-mails e chats, entre as personagens.
Com lançamento marcado para agosto de 2013, Sem Palavras é o ponto de partida para uma intensa vivência artística, com
duração de três anos e meio, que partiu da Literatura para o campo das Artes
Visuais, das Artes Cênicas, do Audiovisual, da Música, do Design e da
Comunicação. Porque a história de Nega & Lilu jamais caberia numa linguagem
só.
Sophie Calle, Rodrigo Grota, Nando Reis, Ernest Kirchner são alguns
dos artistas mencionados por Nega & Lilu no livro Sem Palavras, à medida que o envolvimento entre as meninas vai
dando vazão ao desejo de expressão. Porque além de imagens e textos próprios,
elas se apropriam do que Marcel Duchamp chamou, há exatos 100 anos, de
ready-made: um conteúdo já pronto, pré-existente, que pode sofrer requalificação
ao ser deslocado de seu contexto original.
Acessados pela primeira vez ou revisitados pelas personagens, num
processo natural de troca de referências, os ready-mades contidos em Sem Palavras são adaptados à história em
curso, concedem a ela matéria. E são como alegorias muitas vezes ressignificadas
por Laura Passing e Brisa Marin, enquanto tocam o novo a partir da (re)descoberta
do Amor inflamado pela paixão e pelo sexo, num encontro condenado à rápida
queima.
Sendo assim, o Coletivo Esfinge
inicia hoje uma ação prevista em 2010, durante a escrita do livro, quando a
autora desejou levar Sem Palavras ao
conhecimento das pessoas que tiveram seus trabalhos mencionados nos chats e
e-mails trocados por Nega & Lilu e que, portanto, compõem esta obra de
ficção atravessada por elementos reais, transitando na borda ao submeter as
meninas ao papel de equilibristas
concentradas e tensas no fio do que ainda haverá para se descobrir. (em citação
à Brisa Marin)
A primeira correspondência foi postada hoje, para Paulo Jobim, presidente
do Instituto Antonio Carlos Jobim.