No quarto de ideias

domingo, agosto 28, 2011

Não estava apenas só, mas acordada e atenta transitando de cá pra lá, tomando água e desviando o olhar do entulho espalhado pelos cômodos que conheceram a impaciência da Nega. O chão do escritório estava todo recoberto de livros, revistas, jornais, uma série de antigas anotações de próprio punho que ainda faziam sentido. Distanciadas do frescor, haviam perdido a genialidade muitas ideias para cinema e literatura, amareladas.

Espirrou uma, duas e três vezes. Poeira no ar. Sentou-se no chão cercada de memória, afinal havia encontrado companhia: a coleção de postais, os panfletos da ação educativa de museus pelo mundo, catálogos de exposição de arte, contas pagas dos últimos cinco anos, disquetes com conteúdo devidamente identificado e inacessível, inúmeros CDs sem utilidade para o momento, listas de pendências, pasta com garantias vencidas, exames médicos, compromissos agendados de 2001 a 2007, cartões de visita de desconhecidos, certificados de conclusão de cursos e participação em congressos, registro fotográfico de manifestações estudantis, cartas da família e dos amigos que não releu, mas quis devolver pessoalmente aos remetentes. Elas podem ser terapêuticas, pensou. Porque a visita ao passado a partir de registros pessoais sempre pode ser um retorno revelador.    

Abriu a esmo o livro de Eclea Bosi como quem busca consolo nas escrituras sagradas e, na página 55, releu: “A lembrança é uma imagem construída pelos materiais que estão, agora, à nossa disposição...”. Suspiro e espirro, seguidos daquela boa e velha sensação de luminosidade.  Era hora de finalizar a edição do livro Nega Lilu, sem o qual sua alma permaneceria encarcerada num ciclo aberto. 

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