Kamikaze N°5

terça-feira, março 15, 2011



O Vietnam deveria ser suficientemente distante para que Laura Passing pudesse se desligar dos aborrecimentos que acompanham o fim de um casamento. Viajando sozinha, como sempre, conheceu Regina Spektor naquele voo, ouvindo Genius next door, na Rádio Air France. Depois do segundo copo de vinho e pão com manteiga, notou também os vocais quase sussurrantes de Diving with Andy, em Sugar Sugar. Na telinha era a história de Coco Chanel.

Duas músicas que nunca tinha ouvido e um filme que nunca havia assistido, repentinamente evocaram a presença de Brisa Marin em seus pensamentos. Curiosidade estava prestes a se tornar devoção.

Mas antes disso, cedendo ao hábito de simular a direção da própria vida, Laura blefa num texto instantâneo gravado no guardanapo: "Parece ser nova Operação Kamikaze". Pousou os cotovelos na mesinha à sua frente, cobrindo parte do rosto com as mãos, massageando as orelhas com os polegares. Fazia um esforço racional para entender como bloquear aquele desejo tão fascinante quanto inatingível que se impregnava sem resistência.

Em suas anotações, Laura registrou duas perguntas objetivas, cujas respostas ‒ se existissem ‒ lhe serviriam de consolo no caso de fracasso. E a terceira era uma afirmação disfarçada de interrogação: "A disposição para o projeto é repetição de padrões que ela desperta?".

Kamikaze, kamikaze, kamikaze, kamikaze, kamikaze. A troça em coro fluia dos poros daquele corpo lânguido, acuado na poltrona da janela a exalar olores.

O Vietnam se encarregaria de apagar tudo, pensou, mas não registrou. Em seguida, aceitou riscos sem assumir culpas, produzindo prova escrita consciente contra si: "Só posso se houver licença poética. Mas não devo. Mas já quero."


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